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Por Yuri Almeida:

A construção de um “inimigo comum” tem sido uma estratégia recorrente na comunicação política, especialmente em contextos de polarização e disputa ideológica. Na era digital, essa estratégia ganha novas nuances e potencialidades, impulsionada pela velocidade e alcance das redes sociais.



A teoria do bode expiatório, originalmente explorada por René Girard (1982), propõe que o fenômeno do bode expiatório é fundamental para a formação e manutenção da ordem social. De acordo com Girard, as sociedades humanas são inerentemente propensas à violência e ao conflito, decorrentes do desejo mimético, ou seja, a tendência dos indivíduos de desejarem os mesmos objetos que os outros. Essa competição por objetos de desejo limitados leva à rivalidade e à violência generalizada, ameaçando a própria existência da comunidade.

Para evitar a destruição, as sociedades recorrem ao mecanismo do bode expiatório, no qual a violência coletiva é desviada para um único indivíduo ou grupo, que é então considerado responsável pela crise. A expulsão ou morte do bode expiatório tem como objetivo purgar a violência da comunidade e restaurar a ordem social. Girard argumenta que esse mecanismo, embora eficaz a curto prazo, é injusto e arbitrário, e que as vítimas são frequentemente escolhidas com base em sua marginalidade ou diferença.

No contexto da comunicação digital da extrema-direita, essa estratégia se manifesta na demonização de minorias, imigrantes, intelectuais, artistas e outros grupos considerados “inimigos da nação”. A disseminação de fake news, teorias da conspiração e discursos de ódio contribui para criar uma imagem distorcida e ameaçadora desses grupos, fomentando o medo e a hostilidade.

Em seu ensaio “Ur-Fascismo”, Umberto Eco (1995) delineia quatorze características do que ele chama de “fascismo eterno” ou “Ur-Fascismo”. Eco argumenta que, embora nem todos os movimentos fascistas históricos exibam todas essas características, a presença de qualquer uma delas é suficiente para permitir que o fascismo se cristalize em torno delas.

As características incluem: culto à tradição, rejeição do modernismo, irracionalismo, desconfiança da intelectualidade, medo da diferença, apelo à frustração social, obsessão por um complô, sentimento de humilhação pela força dos inimigos, exaltação do nacionalismo, identificação do inimigo como um mal absoluto, desprezo pela fraqueza, culto ao heroísmo, machismo, uso de uma língua pobre e vocabulário elementar, e populismo seletivo. Eco adverte que o Ur-Fascismo pode ressurgir sob novas formas, mesmo em sociedades democráticas, e que o reconhecimento dessas características é crucial para combater seu ressurgimento.

Quem atua no marketing político precisa estar atento a essa estratégia e desenvolver contra-narrativas eficazes. É preciso desconstruir a imagem do inimigo comum, mostrando a diversidade e a complexidade dos grupos demonizados, e destacar as causas estruturais dos problemas sociais. Além disso, é fundamental promover o diálogo e o encontro entre diferentes grupos, buscando construir pontes e superar a polarização.

 

Yuri Almeida é professor, estrategista político e especialista em marketing eleitoral



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Resumo das Políticas

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