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Foto: Ascom / Prefeitura
Marçal Cavalcanti é o presidente da Associação Nacional de Municípios e Meio Ambiente (Anamma), entidade com sede em Brasília que representa os municípios na área ambiental, buscando fortalecer a gestão ambiental local e a implementação de políticas públicas que promovam a preservação dos recursos naturais e a melhoria da qualidade de vida da população.
Desde o início do ano, a Anamma tem questionado a renovação do contrato de concessão entre a prefeitura de Salvador e a Battre, empresa que opera o Aterro Metropolitano Centro.
Nesta entrevista exclusiva concedida ao Política ao Vivo, Marçal Cavalcanti aponta ilegalidades na renovação do contrato.
Confira:
Marçal, qual o papel da Anamma e por que a Associação tem questionado a renovação do contrato de concessão do aterro de Salvador?
A Anamma existe desde 1988 e tem entre os seus objetivos fortalecer os Sistemas Municipais de Meio Ambiente para implementação de políticas ambientais que venham a preservar os recursos naturais e melhorar a qualidade de vida dos cidadãos.
É importante destacar que a Associação não tem fins lucrativos, ou seja, buscamos contribuir de forma técnica para aprimorar e disseminar as boas práticas, bem como alertar a sociedade sobre ações reconhecidamente equivocadas, que causam prejuízo às pessoas e ao meio ambiente.
Infelizmente, o que temos presenciado em Salvador é um exemplo do que não deve ser feito.
A Battre é uma empresa privada que opera o aterro de Salvador desde 1999. O contrato deveria ter sido encerrado em 2019, mas, ao longo de 6 anos, o prefeito Bruno Reis fez um total de 7 termos aditivos, prorrogando por 1 mês, 2 meses, 6 meses, depois para 36 meses. Mais recentemente, em janeiro deste ano, fez novo aditivo por mais 20 anos, sem qualquer tipo de licitação.
O problema é que não existem documentos oficiais que comprovem a viabilidade econômica para a renovação, e nem mesmo sobre a possibilidade de o local continuar recebendo resíduos por mais 2 décadas.
O pior de tudo é que todo o processo foi feito às escondidas, sem aval do Tribunal de Contas ou da Controladoria do Município. A última renovação não foi nem mesmo publicada no Diário Oficial.
É tudo muito suspeito.
Quando a imprensa começou a noticiar o assunto, o prefeito Bruno Reis chamou jornalistas e afirmou que tudo foi feito de acordo com a lei. Você está dizendo então que o prefeito não falou a verdade?
Estou dizendo que o prefeito Bruno Reis omitiu uma série de informações relacionadas à renovação do contrato com a Battre, e que a legalidade que ele disse existir foi fabricada, com possibilidade de questionamentos.
Quais são as legalidades fabricadas?
O contrato original firmado entre a prefeitura e a Battre é de 1999 e ele prevê que existe a possibilidade de prorrogação, mas limitada a 20 anos.
Isso significa, portanto, que na hipótese de ficar provado que a renovação com a Battre é sustentável do ponto econômico e ambiental, ainda assim ela nunca poderia ser estendida por mais 20 anos, pois, de dezembro de 2019 a janeiro de 2025, decorreram mais de 5 anos, período que deveria ser descontado no último termo aditivo.
O verniz que Bruno Reis está usando para aparentar legalidade é invocar uma lei de 2021, que prevê a possibilidade de firmar contratos com prazos de 35 anos.
Os acordos existem para ser cumpridos, principalmente no contexto em que dinheiro público está sendo usado.
Quanto o prefeito assinou o último termo aditivo, ele descaracterizou o contrato original, algo que só poderia ser feito se fosse realizada uma nova licitação, aí sim com uma nova configuração contratual.
Chama a atenção que o prefeito Bruno Reis usa uma lei de 2021 para “legalizar” o contrato com a Battre, mas ele segue descumprindo outra lei, do Conselho Nacional do Meio Ambiente, que estabelece uma distância mínima de 20 quilômetros entre aterros sanitários e aeroportos. O AMC está distante pouco mais de 5 quilômetros, em linha reta, do aeroporto de Salvador.
E há outros problemas?
Sim. Um deles é que o aterro AMC acumula uma série de denúncias de crimes ambientais. As bacias dos rios Ipitanga e Joanes estão na área do empreendimento e os crimes começam pelo assoreamento de cursos d’água próximos, passa pelo desmatamento/corte de exemplares de árvores nativas, e chega até a contaminação de águas superficiais e subterrâneas. Foram feitas pesquisas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) que apontam o comprometimento da qualidade das águas superficiais e subterrâneas pelo aterro e demonstram falhas no monitoramento das águas, com potencial contaminação.
Se o processo fosse realmente sério, a prefeitura teria obrigado a Battre a contratar uma empresa idônea para realizar um Estudo de Impacto Ambiental e um Relatório de Impacto Ambiental, mais conhecidos como EIA/RIMA.
Esses estudos são fundamentais em qualquer licenciamento ambiental para instalação e eventuais ampliações de aterros sanitários, mas, em Salvador, parece que resolveram deixar de lado as boas práticas.
Outro problema é o próprio valor da renovação do contrato, que supera os R$ 2,6 bilhões. O gestor público tem a obrigação de agir com transparência, mas os documentos – se é que existem – que embasaram a decisão de Bruno Reis, não são de conhecimento público.
Em duas ocasiões diferentes, em fevereiro e março, a Anamma tentou, por meio da LAI, a Lei de Acesso à informação, cópias do processo administrativo referente à prorrogação do contrato. A prefeitura se negou a informar, e fomos obrigados a entrar com uma representação no Ministério Público e outros órgãos públicos.
Recebemos uma primeira leva de documentos na semana passada, mas ainda estamos estudando o material para verificar se está tudo em ordem, pois são mais de mil páginas.
Então a lista de problemas é longa?
Ela é bastante longa.
Não condiz com responsabilidade prolongar por mais de 5 anos um contrato usando termos aditivos.
Desde 1999, o Poder Público estava ciente de que o contrato com a Battre para operar o aterro, uma atividade essencial para garantir que as 3 mil toneladas de lixo geradas em Salvador teriam destinação adequada, terminaria em 2019.
Havia tempo de sobra para realizar uma nova licitação, com base em conceitos mais modernos, mas faltou responsabilidade e seriedade do gestor público com o assunto.
Durante mais de 5 anos o caso foi sendo empurrado, e, quando a expectativa era de uma solução real, a prefeitura decidiu fazer mais um “puxadinho”.
É sabido que a vida útil do AMC está perto do fim, então, por que renovar por mais 20 anos?
Quais as suas expectativas em relação aos desdobramentos desse assunto?
A Anamma está convicta de que, da forma como o contrato foi renovado e considerando todas as suspeitas e questões sem resposta, ele deve ser cancelado imediatamente.
Diferentemente do que o prefeito disse, o município de Salvador tem outras opções próximas para garantir a destinação ambientalmente dos resíduos, e provavelmente com custos até mais baixos, e sem um impacto ambiental tão grave quando o atual aterro terá se utilizado por mais 20 anos.
Não podemos perder de vista que o contrato é bilionário e teve sucessivos reajustes que encareceram por demais a prestação desse serviço. Para o bolso do consumidor, a taxa do lixo está se apossando de uma parte ainda maior da receita de cada cidadão, pois teve um aumento de 50%.