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Uma disputa fundiária antiga em áreas estratégicas da Baía de Todos-os-Santos, especialmente na Gamboa de Baixo e no entorno do Solar do Unhão, vem sendo desvendada pela Justiça após anos de controvérsias. A área é sensível, reconhecida pela UNESCO, e reúne patrimônio histórico, comunidades tradicionais e projetos públicos. Decisões recentes da Justiça Federal e da Justiça da Bahia apontam que registros de imóveis usados ao longo dos anos simplesmente deixaram de existir do ponto de vista legal.
Essas decisões reconheceram que antigas matrículas de um suposto terreno destinado a marina foram extintas. Com isso, a Justiça afastou a ideia de que esses registros ainda pudessem se sobrepor a imóveis de terceiros, reforçando que não há risco jurídico para quem comprou ou ocupa áreas de boa-fé. Em resumo, supostos papéis e plantas públicos usados no passado para justificar a posse em projetos sustentados nas matrículas de imóvel nº 15.608 e nº 39.956 no 4º e 5º Cartório de Registro de Imóveis de Salvador, aos quais deixaram de produzir efeitos jurídicos segundo as decisões judiciais .
Mesmo assim, processos em andamento apontam que uma nova matrícula teria sido aberta depois, com outro número no 1º Cartório de Registro de Imóveis, usando os mesmos documentos agora novamente questionados na Justiça. Também surgiram indícios de registros particulares duplicados, apontados como clonados, ligados a empresas e grupos já investigados por grilagem de terras na Baía de Todos-os-Santos. Esses pontos seguem sob análise judicial e ainda não tiveram desfecho definitivo.
Os autos também indicam que os registros já considerados extintos teriam sido usados para justificar obras públicas e intervenções urbanas em áreas onde não existia matrícula válida. Entre elas, estruturas na região do Solar do Unhão, onde funciona o Museu de Arte Moderna da Bahia. Há ainda questionamentos sobre um atracadouro que teria contado com financiamento internacional e ligação com um projeto orçado em R$ 17,6 milhões, hoje sob bloqueio e análise da Marinha quanto à legalidade dos atos praticados.
No centro desse conflito está Malvedil Bomfim Júnior, pescador e trabalhador ambulante, apontado como proprietário formal de um dos imóveis atingidos pela disputa. Ele afirma sofrer perseguições desde o ano 2000, em meio a tentativas de pressão ligadas a projetos públicos na região. Segundo registros policiais, foram três atentados contra sua vida, em 2001, 2009 e 2019. No caso mais recente, houve prisões, e a Justiça marcou audiência para ouvir os acusados, enquanto a polícia apura a possível autoria intelectual do crime.
O caso também envolve acordos firmados entre órgãos públicos para realocação de moradores da Gamboa, que, segundo a tese apresentada à Justiça, teriam recaído sobre imóvel particular sem pagamento de indenização. Essa situação levanta a suspeita de desapropriação indireta e ajuda a explicar por que a regularização fundiária da Gamboa de Baixo segue travada. Todos esses fatos ainda dependem de decisões finais da Justiça, mas já revelam um enredo grave, que mistura falhas administrativas, registros contestados, grandes interesses econômicos e um histórico de violência em uma das áreas mais simbólicas de Salvador.



