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Por Yuri Almeida
Se Maquiavel pudesse observar o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, dificilmente o enquadraria como uma questão estritamente jurídica ou moral. Para o pensador florentino, a política não se mede pelo crivo da justiça, mas pela capacidade de conservar o poder e manter a estabilidade do Estado. O processo, portanto, não seria avaliado pela retidão de sua legalidade, mas pelo impacto que produz sobre a correlação de forças e sobre a cena pública do poder no Brasil.
A trajetória de Bolsonaro, culminando em seu julgamento, revela um ponto central da reflexão maquiaveliana: a tensão entre virtù e fortuna. Enquanto esteve no comando do Estado, Bolsonaro tentou moldar a fortuna a seu favor, mas mostrou-se incapaz de dominar a conjuntura política e institucional. O julgamento sinaliza não apenas a perda da proteção institucional, mas o esgotamento de sua capacidade de conduzir os ventos imprevisíveis da política.
Maquiavel lembraria: o príncipe que não ajusta sua virtù às mutações da fortuna é tragado pela maré.
O embate com instituições consolidadas — Justiça Eleitoral, Supremo Tribunal Federal, Congresso Nacional e Forças Armadas — foi travado por Bolsonaro com bravata e confronto direto. Entretanto, Maquiavel advertiria: desafiar muralhas institucionais sem possuir força suficiente para derrubá-las é um erro fatal.
O ex-presidente não conseguiu dobrar as engrenagens da ordem, nem tampouco consolidar apoio sólido para resistir a elas. Quem ameaça instituições sem poder para controlá-las termina devorado por sua própria ousadia.
O julgamento de Bolsonaro não é apenas um procedimento técnico, mas uma encenação do poder. Maquiavel teria plena consciência de que tribunais também governam pela imagem. O ato judicial, exibido como espetáculo público, envia uma mensagem pedagógica às elites e ao povo: nenhum líder, por mais popular que seja, está acima da lei.
Neste sentido, o processo ultrapassa a dimensão jurídica e torna-se um ritual de disciplinamento político, um teatro que reafirma quem de fato reina no tabuleiro.
Para Maquiavel, é preferível que o príncipe seja temido a ser amado — mas deve evitar o ódio, pois este dissolve sua base de sustentação. Bolsonaro, ao radicalizar seu discurso, acumulou tanto temor quanto ódio. O resultado foi devastador: ao invés de consolidar respeito, abriu caminho para que amplos setores sociais e institucionais desejassem sua queda, sem medo de reação popular suficientemente organizada.
O julgamento de Bolsonaro, em chave maquiaveliana, não é apenas a derrota de um líder, mas a advertência a todos os que aspiram ao poder. Não basta conquistar o governo pela força da mobilização popular: é necessário conservar alianças estratégicas, saber recuar quando a conjuntura exige, e manter o equilíbrio entre aliados e inimigos.
O processo ensina que quem governa apenas com a paixão das massas, sem cultivar a lealdade das elites e das instituições, governa sobre areia movediça.
Assim, a partir dos postulados de Maquiavel, Bolsonaro não será condenado apenas por juízes, mas por sua própria incapacidade de domesticar a fortuna e de equilibrar o jogo institucional. O julgamento é menos um ato de justiça do que um ato de poder: nele se manifesta a supremacia das instituições sobre um príncipe que confundiu popularidade com estabilidade.
Em última análise, o episódio confirma a máxima maquiaveliana: no tabuleiro da política, reina não quem tem razão, mas quem sabe conservar o poder.
Yuri Almeida é professor, estrategista político e especialista em marketing eleitoral.